14/06/2022 às 18h20min - Atualizada em 14/06/2022 às 18h20min

Em decisão inédita, STJ autoriza plantio de maconha para uso medicinal; veja no vídeo

ConJur
GUILLEM SARTORIO / AFP
O cultivo da cannabis sativa para extração do princípio ativo é conduta típica apenas se desconsiderada sua motivação e sua finalidade. A norma penal mira o uso recreativo, a destinação para terceiros e o uso, visto que nesses casos se coloca em risco a saúde pública. A relação de tipicidade não existe na conduta de cultivá-la para extrair óleo para uso próprio medicinal.

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu salvo-condutos em dois processos julgados na tarde desta terça-feira (14/6) para permitir que pessoas com prescrição médica para o uso do canabidiol cultivem plantas de maconha e dela façam a extração do óleo.

O salvo-conduto visa a impedir que essas pessoas sejam investigadas, denunciadas, presas, julgadas e condenadas pelo crime do artigo 33 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), como se fossem traficantes. Até então, o STJ só tinha um precedente sobre o tema, um julgado de abril de 2021 em que a 5ª Turma negou o privilégio.

Por todo o país, juízos de primeiro grau, de Juizados Especiais e até Tribunais de Justiça com posicionamento, em regra, penalmente rigoroso, como o de São Paulo, têm entendido que não cabe a persecução penal quando o plantio de maconha, nos limites da lei e sob fiscalização de órgãos sanitários, destina-se à extração do óleo do canabidiol.

A própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), embora não tenha registrado o remédio, tem deferido autorizações excepcionais para a importação — como é o caso dos autores dos processos julgados pelo STJ. O problema é o custo elevado, o que leva as pessoas a buscarem a produção caseira para tratamento de suas doenças.

A conclusão da 6ª Turma, nesse contexto, é de que a conduta não tem a tipicidade penal de enquadramento na Lei de Drogas, visto que a finalidade do plantio é a realização de direito à saúde, garantido pela Constituição e baseado em prescrição médica. A votação foi unânime.

Fim do moralismo

Relator do REsp 1.972.092, o ministro Rogerio Schietti fez um apelo para que todos os agentes estatais envolvidos nessa temática cumpram seu dever civil e civilizatório de, senão regulamentar a questão do canabidiol, ao menos promover uma definição legislativa e, até lá, uma solução jurisdicional.

Destacou que processos como esse só surgem quando o Estado passa a tratar como criminal uma questão que, na verdade, é de saúde. E apontou a existência de uma reiterada negativa do poder público, quando pelo mundo todo os benefícios do canabidiol são reconhecidos e regulamentados.

“O discurso contrário a essa possibilidade é moralista, tem até cunho religioso, baseado em dogmas, em falsas verdades, em estigmas. Quando se fala o nome maconha, parece que tudo que há de pior advém desta palavra. Ela é uma planta medicinal como qualquer outra. Se produz alguns malefícios, produz muitos benefícios”, afirmou.

“Paremos com preconceito, paremos com esse moralismo que atrasa desenvolvimento do tema no âmbito do Legislativo e que obnubila [perturbação da consciência caracterizada pela ofuscação da vista] o pensamento de juízes brasileiros que não enxergam a possibilidade de preencher essa omissão do Estado”, reforçou.

No RHC 147.169, o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, concordou. Exaltou a postura dos integrantes da 3ª Seção, de oferecer uma constante atualização da leitura do Direito Penal e do Direito Processual Penal e avisou que chegou a hora da questão das drogas.

“Não podemos mais ficar no estado em que nos encontramos, de inércia total. A doutrina discute, o Judiciário de medo de enfrentar e o Legislativo, infelizmente... Há um projeto de lei feito por uma comissão presidida pelo ministro Rogerio Schietti e com participação do ministro Marcelo Navarro que infelizmente está encostado no Congresso. Esse silêncio não pode mais ocorrer”, disse.

Afirmou, ainda, que “simplesmente taxar de maldita uma planta porque há preconceito com ela, sem um cuidado maior e sem verificar os benefícios que seu uso pode causar, é de uma irresponsabilidade total”.

Ao acompanhar os relatores, o ministro Antonio Saldanha Palheiro afirmou que existe no país uma ação deliberadamente retrógrada em relação ao caso do canabidiol. “Isso nos ameaça o tempo todo, e somos chamados a nos pronunciar. Aí está a respota”, pontuou. Também votaram com eles a ministra Laurita Vaz e o desembargador convocado Olindo Menezes.


Link
Tags »
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Primeiras Notícias Publicidade 1200x90