10/10/2021 às 13h20min - Atualizada em 10/10/2021 às 13h20min

Responsáveis pela Prevent Senior devem responder por crime de homicídio

O porteiro Manoel Messias de Freitas Filho, de 62 anos, morreu em 14 de março de 2020, vítima do coronavírus. Conhecido à época como o de um dos primeiros mortos pela doença no país, o episódio, visto hoje em perspectiva, ganha hoje nova relevância na história da pandemia no brasil. A morte ocorreu num hospital em São Paulo administrado pela operadora de saúde Prevent Senior, que, como denunciaram alguns médicos que trabalharam para a seguradora, pressionava seu corpo de profissionais a receitar o chamado “kit covid”, um conjunto de medicamentos comprovadamente ineficazes para a doença.

A atuação da Prevent Senior, e especialmente sua parceria com o governo federal, virou um capítulo importante da CPI da Covid, cujo relator, Renan Calheiro (MDB-AL), promete pedir o indiciamento de funcionários da empresa por homicídio, estelionato e falsidade. O alinhamento com a obsessão do presidente Jair Bolsonaro em divulgar a cloroquina chegou ao ponto de o diretor-executivo da Prevent, Pedro Batista, participar de uma “live” ao lado do presidente para fazer propaganda do “kit covid” — com base em resultados turbinados de um “estudo” da Prevent sobre a eficácia de medicamentos refutados pela ciência para tratar a Covid.

Bolsonaro e seus filhos não apenas admiravam, mas propagandeavam a Prevent Senior. O presidente já publicou dois posts em redes sociais com elogios aos estudos feitos pela operadora, assim como senador Flávio Bolsonaro. O deputado Eduardo Bolsonaro (SP) também já a parabenizou publicamente. “Isto é uma pesquisa séria, feita com ciência e não com politicagem”, escreveu, em abril de 2020.

O GLOBO elaborou uma linha do tempo para destacar os principais capítulos do roteiro que mostra as ligações entre a Prevent Senior e o governo federal, numa associação em que ambos sairiam ganhando, e muitos, como o porteiro Manoel Filho, perderiam a vida. A ideia era difundir a narrativa de que, com tratamento precoce, a população estaria segura e poderia ignorar medidas de lockdown.

Em depoimento à CPI, a advogada Bruna Morato, representante de um grupo de 12 médicos que trabalharam na empresa e prepararam um dossiê com denúncias contra a operadora, afirmou que havia uma espécie de pacto entre Prevent Senior e o Palácio do Planalto. Nele, a cúpula da empresa mantinha linha direta com o chamado gabinete paralelo — grupo de especialistas em saúde que assessorava informalmente o presidente em assuntos relacionados à pandemia — e colocava em prática a aplicação do chamado tratamento precoce, noutras palavras, a prescrição do “kit covid”. Além dos 12 denunciantes, a advogada afirmou ao GLOBO que outros 30 funcionários já a procuraram para corroborar as denúncias.

A Prevent fez mais do que insistir em remédios não recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS): omitiu de pacientes a utilização dos tais medicamentos, ocultou mortes que ocorreram durante um estudo que realizou com o objeto de aferir a eficácia dessas drogas e alterou prontuários de pacientes mortos em decorrência da Covid, tirando do documento a verdadeira causa do óbito. Também é acusada de transferir infectados pelo coronavírus, com chances de cura, à área de cuidados paliativos, reservada exclusivamente aos desenganados.

— A expressão que eu ouvi muitas vezes utilizada é: óbito também é alta — afirmou Bruna Morato em seu depoimento, referindo-se a relatos feitos por seus clientes.

A lista de crimes que Renan pretende imputar aos responsáveis pelas medidas adotadas pela operadora é extensa — e pode crescer.

— Homicídio doloso com dolo eventual, homicídio por omissão, estelionato, falsidade e crimes contra a humanidade. E ainda há outras tipificações que estamos estudando e também poderão ser incluídas no relatório — adiantou Renan ao GLOBO.

Ele decidiu ainda fatiar seu parecer, ou seja, enviar partes dele a diferentes instâncias do Ministério Público. Assim, não entregará todo o seu trabalho à Procuradoria-geral da República, comandada por Augusto Aras, frequentemente acusado de se omitir em investigações que possam atingir Bolsonaro.

O relator deve remeter as descobertas sobre Prevent Senior ao Ministério Público de São Paulo, que já investiga a distribuição de receitas do “kit covid”, e à Câmara Municipal de São Paulo, onde foi aberta uma CPI para apurar especificamente as denúncias contra a operadora.

O MP-SP montou uma força-tarefa para o caso. De lá, tende a sair uma denúncia pelo crime de homicídio contra médicos e diretores da empresa.

— Homicídio é o que tem pena maior, especialmente se for qualificado como doloso, pelo qual que também se assume um risco, em que pouco importa a vida alheia. Mas isso dependerá de provas e perícias médicas — esclarece o promotor Everton Zanella, coordenador da força-tarefa.utorização.


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