18/06/2019 às 07h25min - Atualizada em 18/06/2019 às 07h25min

Soldado é dispensado após Exército descobrir que ele tem HIV: ‘Me senti um lixo’

G1
Soldado pertencia à 1ª Brigada de Artilharia Antiaérea de Guarujá, SP — Foto: Divulgação/1ª Bda AAAe
Um soldado de 23 anos foi desligado de suas funções depois que o Exército descobriu que ele é portador do vírus HIV. Ele pertencia à 1ª Brigada de Artilharia Antiaérea de Guarujá, no litoral de São Paulo, e descobriu que o caso chegou ao conhecimento de outros membros do quartel após vazamento de um boletim interno. O Exército alega que ele não informou sua situação de saúde para o entrevistador no momento do processo seletivo.

Em entrevista ao G1 nesta terça-feira (18), o soldado, que prefere não se identificar, afirma que ficou sabendo por alguns colegas que o documento que detalha o motivo de seu desligamento havia sido divulgado. "O boletim fica em um mural disponível para todos verem. Quem estava na guarda viu e me falou", conta.

Antes mesmo do comunicado oficial de que seria desligado, ele conta que os recrutas já estavam comentando que ele teria que sair. "Um dos recrutas chegou e falou: você vai sair? Eu falei, como assim? Falaram para os soldados, antes do boletim, que eu ia sair por motivos familiares. Nessa época, só os superiores sabiam", afirma.

Ele conta que recebeu o diagnóstico de HIV no dia 1º de agosto de 2018 e afirma que começou o tratamento logo após a descoberta. Como os médicos informaram que ele estava com a carga viral zerada, ele não viu problema em participar do processo seletivo do Exército.

"Perguntei para a minha hematologista e o meu médico infectologista. Como já tinham orientado, ser portador de HIV não incompatibiliza ninguém. Eu nunca deixei de fazer nenhuma atividade. Em nenhum momento eu deixei de cumprir as missões que me foram dadas".

A brigada descobriu que ele era portador do vírus depois que os soldados foram convocados para doar sangue. Ele conta que informou a situação aos superiores e, no dia 2 de abril, foi instaurada uma sindicância para anular a incorporação do soldado.

"Eu estava me sentindo um nada. Eu aprendi que a forma de tratamento para as pessoas que têm o vírus é igual você tratar qualquer pessoa que não tenha. Da forma que fizeram tudo eu me senti um lixo, é como se meu tratamento não tivesse valendo nada. Sempre vou às consultas, nunca faltei, nunca pedi para remarcar", desabafa.

Defesa

Geraldo de Souza Sobrinho, advogado de defesa, afirma que entrou com ação por danos morais e também para que ele possa voltar a exercer o cargo. Segundo ele, não foi assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa do soldado durante a instrução da sindicância.

"Se não bastasse, tornaram público, por meio de nota com publicação em boletim, que o requerente seria portador do vírus da HIV, o que fez com que o militar em questão sofresse várias discriminações por parte de outros militares", afirma.

‘Me senti um lixo'

O soldado foi incorporado à Bateria Comando da 1ª Brigada de Artilharia Antiaérea no dia 1º de março. Ele afirma que foi alvo de preconceito logo depois que souberam que ele é homossexual. "Senti que eles se afastaram um pouco depois que souberam da minha sexualidade. Ficaram zoando. Eu levava na brincadeira, procurava não ficar perto".

Natural de Deputado Irapuan Pinheiro, no Ceará, ele se mudou para Guarujá em busca de oportunidades de trabalho em 2014. Após se formar em um curso técnico de enfermagem, ele decidiu se alistar no Exército.

Antes de exercer a função de soldado, ele trabalhava em um mercado como auxiliar de serviços gerais, ganhando mais do que ganha no Exército. "No Exército pagam um salário mínimo de R$ 998, e no mercado, R$ 1.400. Não é por dinheiro, é pelo sonho. Espero que consiga voltar a trabalhar", diz.

Enquanto isso, ele conta que irá procurar um emprego para poder se manter na cidade. "Vou ter que arrumar alguma coisa, enviar currículo. Fica aquela insegurança de acontecer a mesma coisa, vão ter preconceito porque querendo ou não ainda tem pessoas ignorantes", afirma.

Ele conta que foi dispensado no dia 23 de maio e ainda não recebeu o pagamento proporcional ao tempo trabalhado no último mês. "Moro sozinho, de aluguel, e não me pagaram ainda. Estou louco da vida porque não tenho como pagar as minhas contas", lamenta.

Posicionamento do Exército

Em nota ao G1, o Centro de Comunicação Social do Exército afirma que apenas cumpriu as determinações legais e alega que o soldado só relatou sua situação de saúde quando estava prestes a fazer uma doação de sangue.

"Após o diagnóstico da doença, foi instaurada sindicância que tinha como objeto verificar em que momento o soldado adquiriu o vírus. Durante o curso do processo administrativo, onde lhe foi garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, o autor afirmou que tinha conhecimento da doença, através de exames que ele mesmo forneceu, desde 1º de agosto de 2018, ou seja, antes do seu ingresso no Exército".

A autoridade esclarece que os militares aprovados em concurso público, portadores assintomáticos do HIV, recebem o parecer apto para o serviço do Exército, com restrições. Porém, o mesmo não ocorre com militares temporários.


O Exército confirma, ainda, que houve vazamento do boletim que indica que ele é portador de HIV. "Este fato está sendo apurado por processo administrativo para identificar a autoria do vazamento dessa informação, cujo militar será responsabilizado administrativa, cível e penalmente pelo seu ato de violação de sigilo", finaliza.

 


Link
Tags »
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Primeiras Notícias Publicidade 1200x90