20/05/2023 às 07h18min - Atualizada em 20/05/2023 às 07h18min

Velório com samba e festa viraliza na web: 'Nossa família tem essa tradição'; veja vídeo

Extra.Globo
Foto: Reprodução
Noel Rosa já dizia que, quando morresse, não queria choro nem vela. E é com esse lema que a família de Agnaldo dos Santos, o Bino, presidente da escola de samba Flor de Magé — que morreu em decorrência de um infarto no último dia 11, aos 60 anos — despede-se dos parentes. Ao som da bateria e até intérpretes, o desfile que tomou as ruas do município da Baixada Fluminense impressionou quem passava na rua e as imagens fizeram sucesso nas redes sociais, com o carnaval fora de época.

O avô de Bino, Arnaldo José dos Santos, foi um dos primeiros presidentes da agremiação, fundada em 14 de dezembro de 1900. Desde então, as cores azul, vermelho e branco passaram a tomar conta do coração de todos os herdeiros, que seguiram a tradição familiar.

— Nossa família tem essa tradição. Como a gente foi nascido e criado dentro do samba, todo o pessoal gosta de alegria. O do meu pai, o da minha mãe, o do meu tio, da minha irmã: todos os velórios são assim — conta o irmão de Bino, Elcio José dos Santos, o Preguinho, de 58 anos, vice-presidente da Flor de Magé. — O meu (velório) também será assim, se Deus quiser.

No último dia 11, o cortejo partiu da quadra da escola, localizada na Avenida Simão da Motta, com destino ao Cemitério Magé I, localizado a cerca de 800 metros de distância. Segundo o irmão de Bino, o destino normalmente é o Cemitério Magé II, onde fica o jazigo da família. Mas, desta vez, a sepultura estava ocupada pela irmã Nubia, que morreu em julho do ano passado:

— Infelizmente, não foi possível enterrá-lo no cemitério II. Quando é lá, alguém vai cedo e fala para reforçar o estoque no bar do Joãozinho. Quando a gente dobra na esquina e ele escuta os fogos, ele já sabe que somos nós.

A ideia da família é mandar embora o baixo astral, deixando a tristeza bater quando colocar a cabeça no travesseiro. Segundo eles, o roteiro é o seguinte:

O corpo é velado na quadra da escola, localizada na Avenida Simão da Motta

Em frente à quadra, parentes e amigos bebem em homenagem ao morto, já ao som de muito samba

Na hora do sepultamento, é feita uma oração e, em seguida, o "desfile" começa, terminando só quando o corpo é colocado na sepultura

Quando voltam do cemitério, os parentes e amigos se reúnem novamente no bar, sem hora para ir embora

As imagens do cortejo embaixo de samba divertiram as redes sociais. Em um dos vídeos, com quase 10 mil curtidas, uma espectadora narrou o que viu:

— Quando eu morrer, quero assim: pagode, o pessoal sambando. Melhor que o velório da Rita Lee, só na minha cidade você vê essas coisas — dizia ela enquanto gravava o carro da funerária, seguido por um cortejo, embalado pela bateria da Flor de Magé. — Até serpentina tem, meu deus!

Elcio, o Preguinho, lamenta que sejam nesses momentos de dor em que a família consegue se reunir. No entanto, segundo ele, os moradores de Magé poderiam ter visto uma festa ainda maior, com direito a um banquete:

— Se a gente soubesse o dia que fosse morrer, ia fazer uma feijoada e uma panela de carangueiro, pratos que meu irmão adorava. Iríamos levar uma panela no fogo de lenha, num carrinho atrás do caixão.

Apaixonado por carnaval, Bino era presidente da Flor de Magé e seu coração também tinha espaço para torcer pelo Salgueiro — Foto: Reprodução

Apaixonado por carnaval, Bino era presidente da Flor de Magé e seu coração também tinha espaço para torcer pelo Salgueiro — Foto: Reprodução


Inspiração para os velórios

Conforme relatou a viúva de Bino, Juh Reis, pelas redes sociais, a despedida foi do jeito que "ele tanto queria e gostava". Também na web, entre os comentários, o velório do presidente da Flor de Magé serviu como inspiração para como devem ser essas cerimônias.

"Quero assim também, tem que ter pagode, pois é a coisa que mais amo", disse uma internauta. Outro disse que, quando morrer, não aceita "menos que isso".

Para quem estava em casa e pôde presenciar a cena, também foi uma grande surpresa.

— Foi o maior barato. Escutei uns foguetes, e perguntei à minha filha: "O que é isso?". Quando vi que era o velório do presidente da Flor de Magé, eu adorei. Nos meus 73 anos de vida, nunca tinha visto uma coisa dessas — conta a aposentada Eni Salgueiro, moradora de Magé.

Presidente da Flor de Magé, onde, por 50 dos seus 60 anos viveu em prol da escola, o coração também tinha espaço para o vermelho e branco salgueirense, escola para a qual torcia. Os desfiles, inclusive, na Sapucaí serviam de inspiração para enredos desenvolvidos pela agremiação da Baixada.

A prefeitura de Magé divulgou uma nota nas redes sociais, lamentando a morte do "grande Agnaldo dos Santos Filho (Bino)". A conta do município também expressou os "mais sinceros sentimentos a toda família e amigos".
Gurufim

Velório com direito a samba, cerveja e contação de causos tem nome: gurufim. Segundo a historiadora e pesquisadora dos gurufins de sambistas da Portela, Juliana Bonomo, essas celebrações têm origem nos “ritos fúnebres afro-diaspóricos" e têm tudo a ver com as escolas de samba:

— Quando os gurufins eram praticados no início do século XX, era uma prática comum e se fazia para todas as pessoas que morriam. Depois passou a ser feito para sambistas e, atualmente, para sambistas mais afamados. O Rio de Janeiro tem essa propensão a ter mais gurufins justamente por essa ligação forte com o samba e com essa cultura afro-carioca.

Uma outra maneira de interpretar os gurufins, além dessa celebração regada a samba e cerveja era uma brincadeira para ocupar o tempo durante os longos velórios, que antigamente viravam a noite nas capelas.

A festa durante o momento da despedida, segundo quem a pratica, precisa ser bem feita tal qual um desfile na Sapucaí.

— Tem gente que acha desrespeito, enquanto outros falam que querem ser enterrados assim. Eu brinco para deixar um termo assinado, informando que quer assim. A gente vai cantando um samba como se fosse desfile, e quando vira a avenida, falo: "Atenção, não vamos perder ponto" (como se fosse um desfile). A gente relaxa com isso, a ficha só cai quando você chega em casa e bate o baixo astral, lembra da infância — conta Preguinho, que garante que no próximo sábado a missa de sétimo dia de Bino também terminará em festa, que só começa depois de "primeiro encomendar a alma", com as orações.

Bino morreu aos 60 anos e deixa sua viúva, além de quatro filhos.


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