19/06/2022 às 08h40min - Atualizada em 19/06/2022 às 08h40min

Em guerra contra a Petrobras, Bolsonaro acerta o próprio pé quatro vezes

Josias de Souza
Imagem: Em 30 de novembro de 2019, o BNDES detinha 734.202.699 ações ordinárias da Petrobras
Ao declarar guerra à Petrobras por conta da alta nos preços dos combustíveis, Bolsonaro acertou quatro tiros. Todos contra o próprio pé: 1) Torpedeou uma companhia da qual seu governo é acionista majoritário; 2) Empinou a ideia de abrir uma CPI contra um executivo que ele mesmo enfiou na chefia da estatal; 3) Deu à República uma aparência de monarquia sob o comando do rei Arthur Lira; 4) Afundou as ações da estatal, impondo-lhe uma perda de R$ 27,3 bilhões em valor de mercado num único dia. Com Uol

O capitão fez todo esse estrago para fracassar em mais uma tentativa de consolidar a intervenção na Petrobras. Deseja travar os preços, reeditando iniciativa que tem a marca do PT. Foi informado sobre o risco de desabastecimento de diesel. Deu de ombros. Hoje, cerca de 27% do óleo consumido no Brasil é comprado no estrangeiro por firmas privadas. Que não suportam a ideia de importar com prejuízo.

Se tudo corresse como Bolsonaro e os operadores do centrão tramaram, a Petrobras teria de importar o diesel que faltasse, empurrando para dentro do seu balanço prejuízos que fariam lembrar os tempos ruinosos de Dilma Rousseff. No fundo, o capitão deseja que o eleitor brasileiro faça como ele, fingindo-se de bobo pelo bem da reeleição.

Bolsonaro sabe que sua pose de defensor tardio do consumidor é uma palhaçada. Não ignora que a conversão do réu Arthur Lira em herói da resistência é uma piada. Tampouco desconhece que a legislação e as regras aprovadas depois do petrolão inibem novas tentativas de submeter estatais como a Petrobras à perversão política. Mas prefere manter a farsa a arriscar o esforço para subir nas pesquisas eleitorais por algo tão supérfluo como a verdade.

Melhor torcer para que o eleitor não perceba que os reajustes da gasolina e do diesel começaram a desfazer a mágica do sumiço dos impostos sobre os combustíveis antes que o coelho tivesse a oportunidade de saltar da cartola. Como a demissão em série de presidentes da Petrobras não surtiu efeito, trama-se agora trocar tantos conselheiros e diretores quantos forem necessários para deter os reajustes que atiçam a carestia e corroem os índices nas pesquisas eleitorais.

A inflação roda na casa dos dois dígitos há oito meses. Revelou-se para o candidato oficial um obstáculo duro de roer. Admita-se que Bolsonaro não é o único responsável pelo problema, pois fatores externos envenenam a conjuntura econômica doméstica. Mas a satanização da Petrobras não faz baixar os preços expostos no visor das bombas dos postos.

Bolsonaro implica com os combustíveis desde os primeiros 100 dias do seu governo. Mas não moveu um dedo para colocar uma solução em pé. E não foi por falta de opções. Poderia ter oferecido subsídio a quem realmente precisa —os pobres no gás de cozinha e os caminhoneiros autônomos no diesel, por exemplo.

Encontra-se sobre a mesa há três anos a hipótese de usar os dividendos proporcionados pelos lucros fabulosos da Petrobras para forrar um fundo destinado a atenuar no mercado doméstico os efeitos da oscilação internacional do preço do óleo. Mas a articulação desse tipo de proposta exigiria um suor que Bolsonaro não se dispõe a entregar. Sua especialidade é a crise.

Bolsonaro conta com o centrão e com André Mendonça, o ministro terrivelmente evangélico que plantou no Supremo Tribunal Federal, para manter acesa sua penúltima crise. Ainda não se deu conta de que o salseiro que armou na Petrobras é diferente dos anteriores.

Dessa vez, Bolsonaro guerreia não contra um inimigo externo como o TSE. Briga consigo mesmo. O caso não envolve falsos dilemas, como a inexistente insegurança das urnas eletrônicas. A inflação dos combustíveis é um drama real.

Um governante imbecil nunca aproveitaria a oportunidade de descartar ideias toscas como a de abrir uma CPI da Petrobras. Mas muitas vezes o imbecil é a oportunidade que a oposição aproveita para emplacar uma CPI contra o governo na reta final da eleição.

De resto, os 54% de eleitores que disseram ao Datafolha que rejeitam Bolsonaro talvez não tenham vocação para palhaço. Diferentemente do que ocorre no Congresso, onde sobra talento para números de circo como engolir sapos, malabarismo verbal, ilusionismo e guerra de pastelões— a maioria da sociedade talvez prefira o papel de estraga-festas.


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