29/07/2021 às 14h14min - Atualizada em 29/07/2021 às 14h14min

'Peguei covid fazendo swing': a reação dos frequentadores após interdição de boate de sexo com 300 pessoas

O Dia
Getty Images
Uma boate dedicada a encontros íntimos entre casais que reunia mais de 300 pessoas, no Rio de Janeiro, foi interditada. Localizada em um casarão em uma avenida discreta na Barra da Tijuca, a Asha Club é uma "balada liberal", ou casa de "swing" — como é conhecida internacionalmente a prática de sexo entre casais ou trocas de parceiros.

O estabelecimento foi multado e fechado por tempo indeterminado pela Vigilância Sanitária "devido a aglomeração", segundo a Prefeitura. A BBC News Brasil enviou questionamentos aos responsáveis pela Asha Club, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

O episódio lança luz sobre uma prática que atrai muitos adeptos no Brasil, mas é cercada de tabus e controvérsia, especialmente quando isso acontece em meio a uma pandemia, com uma série de restrições impostas por governos para conter a circulação do coronavírus.

"Ninguém usava (máscara), eu só levava na bolsa mesmo", diz à BBC News Brasil Andrea*, que frequentava a Asha Club. "Ninguém pensa nisso na hora. Eu particularmente não penso, é o tempo todo abaixando máscara, tirando máscara, máscara cai, pega a máscara de volta... A vontade, o gostar, o desejo e o prazer — essas coisas falam mais alto para mim do que o distanciamento."

Ela se diz frustrada com o fim das festas, mas reconhece que a interdição foi prudente. "Pra ser sincera, acho que não tem como fazer swing na pandemia. Eu não respeito isso, mas acho que não tem como (fazer) de forma alguma, nem se diminuir a capacidade (da casa), nem se usar álcool, porque as coisas são muito frenéticas lá dentro. O beijo rola o tempo todo, as mãos, o sexo."

"Eu não gostei (do fechamento), mas a gente tem que aceitar", avalia. "É a minha diversão e a de muita gente, mas acho que eles estão certos. E a vacina já está aí, daqui a pouco a gente vai tomar, vai ficar tudo bem, aí volta tudo de novo."

É importante ressaltar que, segundo autoridades de saúde, mesmo vacinadas, as pessoas ainda podem transmitir o vírus e devem manter o distanciamento físico e o uso de máscaras até que uma parcela suficiente da população esteja vacinada e a pandemia seja controlada, com números de casos e mortes bem reduzidos — o que não é o caso do Brasil.


A visão dos frequentadores

Além de Andrea, a BBC News Brasil ouviu outros frequentadores da boate que foi fechada e que costumam ir a festas de swing privadas e outros estabelecimentos do tipo que seguem funcionando.

Todos apoiam o fechamento e concordam que a prática contradiz medidas de controle do coronavírus — e seus depoimentos também revelam questões pouco discutidas sobre o tema, desde a maior sensação de segurança das mulheres nestes espaços em relação ao outros locais que frequentam no dia-a-dia até o senso de comunidade e aceitação que muitos dizem encontrar na cena "swinger".

Mauro* era um frequentador assíduo da Asha Club. Após visitarem a casa na semana anterior, já vacinados, ele e a companheira planejavam participar do evento interrompido pela Prefeitura do Rio, mas cancelaram os planos após um contratempo.

A sua história pessoal ilustra a contradição entre pandemia e swing. "A gente não estava indo. Em dezembro, meio que demos uma afrouxada e fomos curtir a casa. Ficamos doentes. Foi meio que instantâneo, a gente não estava indo para lugar nenhum, passamos o ano passado todo sem fazer nada, e aí, no momento em que a gente voltou a curtir alguma coisa, ficamos doentes."

Dias depois da visita, ambos confirmaram que tinham contraído o coronavírus. "Comecei a sentir todos os sintomas, muita febre, garganta inflamada e tal. Fiquei bem mal, e aí paramos de frequentar."

Hoje, ele defende medidas duras de fiscalização e diz que as casas deveriam exigir comprovantes de vacinação, além de oferecerem espaços mais arejados. "Na casa de swing, você tem relação com pessoas de vários lugares, Estados e países."

Enquanto o Brasil é criticado internacionalmente pela falta de uma legislação clara definindo restrições nacionais para conter a doença, as principais autoridades mundiais de saúde apontam que não existe tratamento comprovadamente eficaz contra a covid-19 — eficazes são as medidas para não contrair o vírus, como distanciamento físico, uso de máscara e lavagem de mãos.

Todas as práticas recomendadas se mostram inviáveis em casas de swing, onde a proximidade entre os presentes é constante. Além disso, as vacinas contra a covid-19 ajudam a evitar infecções, mas são mais eficazes para prevenir os quadros mais graves da doença ou mortes.
Até a publicação desta reportagem, 42,5% dos brasileiros haviam recebido uma dose de vacina. Os totalmente imunizados — com duas doses ou dose única — representavam 16,2%.

Preocupação e prazer

Juliana*, outra frequentadora da Asha Club, estima em "trezentas, quatrocentas" o número de pessoas que encontrou quando visitou a casa em meio à pandemia.

Ela conta que, por conta do trabalho, faz testes de covid-19 a cada três dias. "(Por isso) quanto a mim, eu sempre estive despreocupada. Mas é claro que você tem aquela preocupaçãozinha com os outros, mas não deixa de ir, né? Eu acho que a gente devia se preocupar sim, mas a realidade é que a gente não se preocupa. Depois que está lá dentro, a gente meio que esquece."

Autoridades alertam que testes rápidos, como os que são muitas vezes usados nestes casos, não podem ser empregados isoladamente para confirmar se uma pessoa tem ou não coronavírus. A eficácia dos testes rápidos também varia de marca para marca e é afetada conforme o intervalo entre o contágio e o teste, que não envolve análise em laboratório e tem resultado entre 15 e 30 minutos.

A Organização Pan-Americana da Saúde não recomenda sua aplicação em pessoas sem os sintomas mais conhecidos da doença, como febre, tosse contínua, dor de cabeça e perda ou mudança de olfato e paladar.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em nota técnica, aponta que os "testes rápidos para pesquisa de antígenos não substituem o PCR-RT, considerado o padrão ouro para diagnóstico da infecção pelo vírus da covid-19." Vale lembrar que mesmo os testes de covid-19 laboratoriais podem falhar em detectar o vírus.

Juliana conta que está afastada da prática há alguns meses. Diz apoiar o aumento da fiscalização, mas aponta o que, em sua opinião, há contradições nas políticas públicas de controle da pandemia.

"Se as casas de festas normais estão funcionando, acho hipocrisia fechar a Asha. Porque tudo que você faz na Asha, você faz numa boate normal. A diferença é que as vezes você sai de lá e vai transar em outro lugar. Então, se ela tem um protocolo a seguir e não está seguindo, com certeza tem que ser fechada. E botar 300 pessoas dentro de uma casa não é seguir protocolo."

Carlos* também costumava ir à Asha e diz ser "contra estar num ambiente fechado sem proteção". "É o mesmo que frequentarmos estes clubes e nos relacionarmos sem preservativo. Não tem nexo", diz.

Procurada, a Secretaria de Ordem Pública da Prefeitura do Rio informou que um decreto em vigor desde 8 de julho — as normas têm sido renovadas conforme a avaliação semanal das taxas de transmissão do vírus na cidade — suspende o "funcionamento de boates, danceterias e salões de dança" na capital fluminense e esclarece que por isso a casa de swing foi interditada.

Além destes espaços, "festas que necessitem de autorização transitória, em áreas públicas e particulares" também estão proibidas. Já "casas de espetáculo e concerto e as apresentações artísticas em espaços de eventos" estão permitidas se não houver filas de espera, aglomerações na entrada e saída, e limite de 40% da lotação máxima em espaços fechados, e 60% em locais abertos. Distanciamento mínimo de 1,5m é exigido entre os presentes" — outro item não respeitado na boate interditada.

"Na verdade, acho que o que falta é fiscalização", afirma Juliana.

A Secretaria de Ordem Pública afirma que, desde o início do ano, 151 festas e eventos clandestinos foram encerrados no Rio de Janeiro.

'Mais respeitoso que Carnaval ou transporte público'

Como outros entrevistados, Juliana enfatiza que as festas não se resumem a sexo ou encontros fortuitos. "Numa balada liberal, a diferença é o respeito. Hoje, como mulher, você vai a uma boate ou outros lugares os caras não respeitam. Eles te pegam, eles te apertam, eles te passam a mão e muitas vezes você se aborrece. Por esses constrangimentos eu nunca passei por isso numa casa de swing", diz.

"Então, muitas vezes, eu prefiro ir pra uma casa de swing pra curtir a minha noite mesmo sem sexo, sabendo que eu vou ser respeitada, do que ir para uma balada normal, sabendo que vou me aborrecer."

Andrea concorda e explica o que a atrai para a cena de swing. "É um lugar mais respeitoso do que o Carnaval de rua, do que o transporte público, do que uma casa de shows normal. Não, você não é obrigada a nada — nem lá e nem em lugar nenhum. A gente nunca é obrigada a fazer nada", diz. "Se você disse não, é não. E se você disse sim, vamos ser felizes e desfrutar de muito prazer."

Mauro traz a perspectiva masculina sobre o tema. "O swing nunca vai contra a vontade da mulher, ele acontece justamente se a mulher quiser, se ela tiver vontade, se ela estiver confortável. Na minha relação é assim, e para muitos casais que eu conheço e que são adeptos a esse tipo de vida é assim, tem que ser em comum acordo para as duas partes, com muito diálogo", diz. "Se não houver respeito, nada acontece."
Carlos descreve em detalhes o espaço agora lacrado pelas autoridades. "São três ambientes, sendo o primeiro andar com uma pista de dança com mesas e cadeiras, a mesa do DJ, dois poledances e o open bar. Passando pela pista de dança, têm as cabines, que são os lugares onde existem as brincadeiras", diz.
"Já no segundo andar têm vários quartos, seguranças e a pessoa que fica limpando o tempo todo os ambientes. Além dos quartos lá em cima, tem uma sala muito grande com duas camas imensas e com colchões de borracha iguais aos dos hospitais, com vários casais fazendo sexo, sendo que ninguém toca em ninguém sem consentimento."

Todos os entrevistados descrevem a prática do swing como algo que vai além do sexo e também tem a ver com um espírito comunitário.

"Tem um casal que marquei de conhecer lá, mas acabou que nada rolou, só ficou na amizade mesmo, e somos amigos até hoje. Tem grupo no WhatsApp, é um ajudando o outro, não só sobre sexo e essas coisas, não. Tem amizade também, tem companheirismo. Tem hora que a gente está triste e procura aquela amiga para conversar. É meio que uma comunidade mesmo", diz Andrea.

Já Juliana diz valorizar estes ambientes por serem locais onde "as mulheres comandam". "As pessoas têm preconceito e eu também tinha esse preconceito. Quando minha amiga me chamou pela primeira vez eu fiquei meio assim, 'nossa, vou pra uma casa de swing, chegando lá, vou ter que transar muito, vou ter que fazer com qualquer um, e não é assim que funciona. É uma boate normal, você só faz você quiser, e se não quiser fazer nada, você não faz nada", diz. "Da primeira vez que fui, me diverti demais. No final eu deitei e dormi no sofá."

Ela continua: "Sou uma mulher sexualmente livre. E, por ser assim, não me obrigo a nada, nem tenho medo de ser julgada. "O que você faz ou não entre quatro paredes não diz respeito a ninguém e nem define seu caráter. As pessoas precisam entender que suas preferências sexuais não te definem".
 


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