09/10/2020 às 06h58min - Atualizada em 09/10/2020 às 06h58min

MP pede prisão de pai de santo acusado de estupros e crimes sexuais contra fiéis

G1
Pai Guimarães de Ogum — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal/Redes sociais
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) pediu à Justiça a prisão do pai de santo Heraldo Lopes Guimarães, conhecido como Pai Guimarães de Ogum, acusado de estupros e outros crimes sexuais contra ao menos seis fiéis, entre os anos de 2010 e 2019, em São Paulo. As vítimas são todas mulheres e, segundo a denúncia do MP, o acusado teria ameaçado ao menos uma delas de morte.

Guimarães de Ogum tem 56 anos e atua na Umbanda, religião brasileira de matriz africana. A denúncia contra o líder religioso foi feita em 15 de setembro e algumas das vítimas eram menores de 14 anos na época dos abusos. Em sua defesa feita à Justiça, o pai de santo negou às acusações dizendo ser vítima de um complô das mulheres para prejudicá-lo.

Segundo a promotora Celeste Leite dos Santos, ele dirige um templo que fundou no Ipiranga, na Zona Sul, onde ocorreu a maioria dos abusos. As vítimas também relatam terem sido violentadas em outro templo, no Centro da capital, e na casa do próprio pai de santo.

"As vítimas eram surpreendidas pelas graves ameaças, por uma teia de condições premeditadas de intimidação espiritual, colocando-as em condições de vulnerabilidade para prática de violência sexual", afirma a promotora do caso.

O MP também pediu que Pai Guimarães pague indenização no valor de R$ 100 mil a uma das vítimas, pelos por danos psicológicos e psíquicos que lhe causou. A Promotoria solicitou igualmente o pagamento de R$ 30 mil para cada uma das outras cinco vítimas pelos danos que tiveram.

Em casos de condenações, as penas para estupro podem ser de 6 a 10 anos de prisão e até 15 anos de reclusão, se tiver sido estupro de vulnerável contra a vítima. Quando há mais vítimas, a Justiça também costuma somar as penas atribuídas a cada uma das condenações por esse crime.

"Infere-se que o denunciado se utilizava do contexto religioso para prática dos crimes", disse a promotora Celeste. "O autor, utilizando-se do mesmo modus operandi, supostamente incorporado por entidades espirituais, praticou atos libidinosos e conjunções carnais com diversas vítimas".
Defesa
O caso foi revelado nesta quinta-feira (8) pelo jornal "Folha de S. Paulo" e confirmado pelo G1. A reportagem não conseguiu localizar o acusado e a defesa dele para comentarem o assunto até a publicação desta reportagem. Mas apurou que, em sua defesa feita à Justiça, o pai de santo negou às acusações dizendo ser vítima de um complô das mulheres para prejudicá-lo.

O acusado também comanda a Abratu (Associação Brasileira dos Religiosos de Umbanda, Candomblé e Jurema), de acordo com o MP. A Promotoria pediu a prisão preventiva dele alegando risco de fuga do acusado.

“Há risco concreto de evasão do acusado, além de que sejam praticados novos atentados contra a ordem pública. Existem outras vítimas que já solicitaram sua oitiva pelo Ministério Público”, informa a nota do Ministério Público. “Cabe ao TJSP [Tribunal de Justiça de São Paulo] analisar o recebimento da denúncia e o pedido de prisão preventiva.”
Questionada pela reportagem, a Abratu não comentou o assunto e pediu que o advogado de Pai Guimarães fosse procurado para falar do caso, mas o advogado do acusado não retornou os contatos da reportagem.

Após apresentação da denúncia pelo MP, caberá a Justiça aceitar as acusações contra o pai de santo e torná-lo réu no processo ou não. E ainda decidir se decreta sua prisão para que ele fique preso até ser julgado pelos crimes.

Abusos

A promotora Celeste disse que duas das vítimas eram crianças quando foram abusadas; as quatro demais já eram adultas.

“Nós temos duas vítimas que eram menores de idade, uma tinha 12 anos à época dos fatos a outra 14. Ele utilizou da crença que elas tinham na religião para abusar delas. Levava as vítimas para uma sala espiritual, denominada tranqueira, em que elas teriam atendimento individuais para a saúde, bem-estar e problemas pessoais, mas ao invés de tratamento espiritual, eram abusadas sexualmente”, falou Celeste, que deverá ouvir mais duas outras possíveis vítimas do pai de santo nos próximos dias.
Por meio de nota, a assessoria de imprensa do Ministério Público informou que as seis vítimas foram ouvidas pelo projeto de Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflitos (Avarc). E que elas contaram que o pai de santo usava a condição de líder religioso para cometer os abusos sexuais, exercendo domínio psicológico e as deixando vulneráveis.

De acordo com o MP, as mulheres contaram que foram “vítimas de abusos sexuais que teriam sido praticados pelo senhor Heraldo Lopes Guimarães, todas com impossibilidade de oferecer resistência em razão da figura paterna e de autoridade religiosa que exercia sobre elas.”
Ainda segundo a Promotoria, “após o oferecimento de denúncia, o acusado se internou em hospital do qual já se evadiu segundo relatos das vítimas, antes mesmo de qualquer pronunciamento judicial sobre o tema.”

Para Denisson D'Angiles, Sacerdote de Umbanda do Instituto CEU Estrela Guia, na Zona Sul da cidade de São Paulo, o pai Guimarães "não representa os valores, a ética tão pouco a essência da Umbanda".

"A Umbanda antes de ser uma religião, é a prática da caridade, que une a todos indistintamente, possibilitando a evolução da consciência, dando a oportunidade de crescimento por meio do trabalho voluntário, gerando a paz e o amor. A Umbanda, ou melhor, a humanidade não deve mais admitir esse tipo de conduta, independente de religiosidade. De acordo com a reportagem, o que essa pessoa fez foi usar o nome da Umbanda, e o nome das entidades da Umbanda - o que é ainda mais grave- para mascarar atos criminosos, para benefício próprio, ego e vaidade, assim ludibriando mulheres através de suas fragilidades, as expondo a condições traumáticas, físicas e morais. E uma vez condenado, esse senhor deve pagar por seus atos, nós como umbandistas devemos respeitar a carta magna da Umbanda, honrando cada um de seus parágrafos", diz nota.

Procurada pela reportagem, a assessoria do Tribunal de Justiça de São Paulo informou que não vai comentar o assunto porque “o processo está em segredo de Justiça, visando a proteção das vítimas, já que se trata de crime sexual.”

De acordo com a acusação feita pelo Ministério Público, os crimes sexuais foram cometidos por Pai Guimarães contra as seis vítimas em período de quase dez anos.

Para preservar a identidade delas, a Promotoria as chama por números, que vão de 1 a 6.

Vítima 1

O MP acusa Pai Guimarães de ter mantido relações sexuais e praticado atos libidinosos contra a vítima número 1, que era menor de 14 anos à época, no templo da Zona Sul e na casa dele, entre 2011 e 2014.

Ela contou que começou a ser abusada com 12 anos de idade, em 2011, quando o pai de santo a levou “para um quarto, chamado pela religião de ‘tronqueira de exu’”. Segundo a vítima, ele disse ter incorporado uma entidade que iria ensiná-la sobre a vida e a “torná-la uma mulher”.

E a obrigou a fazer sexo oral nele, que falou para ela não contar o ocorrido a ninguém.

Em 2013, com 14 anos, a vítima relatou que “sob pretexto espiritual”, ele “deflorou a virgindade” dela. A vítima contou que passou a ser forçada a transar com o pai de santo em outras ocasiões, incluindo sexo anal.

Após o ocorrido, a jovem deixou de frequentar o templo religioso e contou que o acusado a procurou novamente depois, dessa vez pelas redes sociais, mas ela não o respondeu.

Ao G1, a vítima contou, por meio de carta, como foram os abusos:

"O primeiro abuso ocorreu em um dia de ritual, onde na época o 'Exu' denominado como Estrada chamava os filhos um a um para conversar na Trunqueira, quando chegou minha vez ele disse que eu tinha ideias suicidas e depressivas e que eu ele me ajudaria, pegou na minha mão e disse que andaríamos juntos", escreve a vítima número 1.

"Ele estava sentado e olhou nos meus olhos e disse que eu faria um 'agrado', colocou o órgão sexual para fora e me induziu a fazer sexo oral nele, (eu nunca tinha feito aquilo, aquele foi meu primeiro e horrível contato sexual), no final ele me fez engolir e tomar whisky", lembra a jovem.

Vítima 2

O pai de santo é acusado ainda pela Promotoria de praticar atos libidinosos contra a vítima número 2 no templo e na casa dele, entre 2014 e 2015. Ela tinha 14 anos à época.

A vítima contou que ele a obrigou a levantar a blusa durante uma cerimônia, ameaçando-a que, caso não o fizesse, "engravidaria e seria abandonada" pelos pais com a criança. Em seguida, Pai Guimarães tocou nos seios dela.

Vítima 3

O pai de santo também é acusado de cometer atos libidinosos e obrigar a vítima número 3 a transar com ele nos templos do Centro e da Zona Sul , além de um outro endereço, entre 2010 e 2011.

Ela contou que foi obrigada a ficar nua para o religioso. E que depois, ele “passou a mão" em seu corpo e colocou a “língua na boca dela”.
A vítima falou que tinha o desejo de engravidar do marido, mas não conseguia. Então, segundo a denúncia, Pai Guimarães falou para ela fazer sexo oral no líder religioso para conseguir isso. E que isso fazia parte do processo espiritual para alcançar a gravidez com o marido.

Depois do ocorrido, o pai de santo expulsou a mulher da comunidade religiosa porque ela poderia denunciar os abusos aos demais membros, segundo o relato da vítima.

Vítima 4

Pai Guimarães também foi denunciado por atos libidinosos e por obrigar a vítima número 4 a fazer sexo oral nele no templo da Zona Sul e na casa dele, entre 2013 e 2015.

A vítima contou que ele tentou fazer sexo com ela depois de obriga-la a ficar nua para uma sessão de cura espiritual de uma integrante do grupo. Sete dias depois, essa mulher morreu por causa de uma doença, e o Pai Guimarães obrigou a vítima a fazer sexo oral nele para “pagar o mal que tinha feito”.


Depois, a expulsou do ‘terreiro’ para não denunciá-lo na comunidade.

Vítima 5

O pai de santo é acusado ainda de praticar atos libidinosos e obrigar a vítima número 5 a fazer sexo oral nele na casa onde morava e no templo da Zona Sul, entre 2013 e 2016.

Ela contou que ele a obrigava a ficar nua e deixa-lo tocá-la sob pretexto de que aquilo era uma prática religiosa. Por esse motivo, passou a usar absorventes íntimos para evitar que Pai Guimarães fizesse sexo com ela.

Ela falou que acreditava estar fazendo sexo com as entidades, num "contexto religioso, que ajudava na cura”.
Mas como ela se negou a transar com ele, Pai Guimarães a expulsou novamente do terreiro, como fez com as demais.

Vítima 6

Pai Guimarães também foi denunciado por violência psicológica ao ameaçar a vítima número 6 de morte a obrigando a transar e ter atos libidinosos com ele, causando lesão corporal de natureza grave nela, no templo da Zona Sul, em 2013.

A vítima contou que, juntamente com o marido, procurou o pai de santo porque os dois já eram “adeptos da religião”. E que numa consulta particular com ele, o acusado a obrigou a manter relações sexuais sob o pretexto de que um outro pai de santo havia encomendado sua morte no plano espiritual. E que somente transando com ele, esse “trabalho” seria desfeito.

Segundo a vítima, Pai Guimarães ainda falou para ela não contar nada do que fizeram ao marido. E após transar mais seis vezes com ela, ordenou que não tivesse mais relações com o companheiro por 90 dias.

E que se separasse dele depois, indo morar com o pai de santo. Ela fez isso e passou a ser vigiada por ele, sendo proibida de sair sozinha de casa. Posteriormente, descobriu que estava grávida, mas foi proibida de se consultar com médicos homens.

Depois, o pai de santo a consagrou como “Mãe do terreiro”. Ela ainda relatou ter visto ele cometer mais abusos com outras fiéis.
 


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