08/06/2020 às 07h36min - Atualizada em 08/06/2020 às 07h36min

‘CABARÉ VIRTUAL’: Live ajuda garotas de programa, idosos, igreja e cães; VEJA VÍDEO

Folhapress
As meninas do Cabaré Sol e Lua, na pequena Caicó, sertão potiguar, despiram-se dos trajes sensuais e deram um até logo à pista de striptease e aos quartinhos de sexo. Desempregadas por causa da pandemia, abandonaram a cidade. A dona do bordel, responsável pelo empreendimento, percebeu que tinha de fazer alguma coisa para salvar o negócio e as meninas. Ela apostou na solidariedade e pôs no ar uma live que, direcionada aos frequentadores da casa, evocava a memória de momentos mais felizes.

No vídeo, Ariana Maia Saldanha, 46, conhecida desde garotinha como Lilia Saldanha, vai direto ao ponto: é hora de ajudar as meninas que o novo coronavírus tirou da cena.

Enquanto fala sem rodeios das dificuldades, uma morena voluptuosa, de trejeitos sensuais, faz poses, caras e bocas. É a Michelle (nome artístico) que se enrosca no poste num momento pole dance ao som do hit “Amor de rapariga”: “Amor de rapariga não vinga, não/ não tem sentimento/ não tem coração”.

A repercussão do vídeo, de uma hora 34 minutos de duração, transmitido na noite de 3 de maio no canal da empresária no YouTube, com mais de 164 mil visualizações, surpreendeu Lilia Saldanha.

A produção foi além do Nordeste e conquistou a simpatia até mesmo de um juiz de Brasília, provando que amor de rapariga pode, sim, tocar o coração. Popularidade e solidariedade, de braços dados, amealharam doações suficientes para amparar as profissionais e também um lar de idosos e uma das igrejas locais, aos quais Lilia destinou uma parte dos recursos.

A transmissão ao vivo do Cabaré Sol e Lua arrecadou R$ 12 mil, meia tonelada de alimentos e produtos de higiene e 108 cestas básicas, mostrando que, no anonimato, também pode existir muita solidariedade. Lilia percebeu que estava no caminho certo e decidiu usar seu talento para criar uma segunda live – agora, com clima de festa junina e acessível em Libras -, prometida para ir ao ar neste domingo (7).

A empresária Ana Claudia Vale, 30, com quem Lilia é casada há seis anos, ajudou a viabilizar o projeto. “Em tempos tão difíceis, a live serviu para mostrar solidariedade e compaixão.”

Pela primeira vez em 16 anos, o Cabaré Sol e Lua interrompeu suas atividades. Ali chegaram a trabalhar simultaneamente 25 garotas, que cobravam de R$ 150 (para fazer um strip) a R$ 300 (para ir às vias de fato).

“Cabaré que eu não mando, eu fecho”, avisa Lilia. “As meninas tiveram que voltar para suas cidades no começo de abril”, lembra. “Muitas não tinham o que comer, me ligavam pedindo ajuda.”

Dona do prostíbulo, Lilia também é vereadora pelo PP, que faz parte do centrão, bloco de partidos que apoia o governo em troca de cargos e verbas do Executivo. Ela ainda preside a Câmara de São José do Brejo do Cruz, cidade paraibana a cerca de 70 km de Caicó.

Na transmissão ao vivo, Lilia aparece sentada, anunciando marcas de “patrocinadores”, como a Granja Caicó, o Bar do Macaco e o Armazém Paulino, que doaram cachaça, álcool em gel, ovos, pizza, pastel, tábua de frios, entre vários outros itens.

Casada, mãe de três filhos, a empresária Gislana Maia, 41, dona de 14 óticas em Natal (RN) e Fortaleza (CE), destacou-se entre os doadores, ao fazer chegar à casa do prazer meia tonelada de alimentos e produtos de higiene. Gislana faz questão de declarar a origem das doações: “Foram mães de família e pais empresários bem casados os que mais doaram”. Reconhece que “as pessoas têm um certo preconceito, mas agora é hora de ajudar”. Queixa-se, porém, de que a live foi tirada do ar bem na hora em que, nas palavras dela, “estava mobilizando multidões”.

Nas redes sociais, houve quem tenha classificado o YouTube de “cabarefóbico”.

Neste momento, em que equipes foram reduzidas devido à pandemia, informa o canal de vídeos, o serviço conta mais com a tecnologia para ajudar na revisão de conteúdo, o que pode resultar tanto em remoções acidentais, que não violam suas políticas, quanto em maior demora para retirar vídeos que as infrinjam.

“Não infringimos norma alguma”, responde Ana Claudia. Segundo ela, o canal do cabaré saiu do ar por volta das 20h45 e só retornou depois das 2h do dia seguinte. “Chegou a ter 7.000 visualizações simultâneas antes de cair.”

Prova de que o vídeo não ofendeu a moral e os bons costumes é o que diz o advogado Lucas Santos de Medeiros, 24, católico fervoroso: “Vi com bons olhos a live. É um ato de generosidade”, lembrando que a dona do cabaré repassou muitas doações às irmãs clarissas do mosteiro, que vivem na clausura.

Medeiros, que nunca faltava à missa das 7h, no Mosteiro Nossa Senhora de Guadalupe, foi obrigado a abster-se da prática religiosa e agora anda preocupado com a sobrevivência das freiras, pois elas dependem de donativos.

Procuradas, as irmãs não quiseram comentar, por telefone, as doações vindas da live do cabaré.

A rede de solidariedade na pequena Caicó, de 68 mil habitantes, também não deixou de fora os animais sem dono. O agrônomo e veterinário Júlio César Fernandes de Azevedo, 37, conta que, antes de a live entrar no ar -diga-se, totalmente improvisada-, havia muita descrença nos resultados, mas, no fim, veio a surpresa positiva: “Os animais de rua ganharam 800 kg de ração”.

Na avaliação do representante comercial Hudson Santos, 36, nascido ali, mas morador da capital, Natal, os bons frutos eram esperados, pois, segundo ele, o caicoense é um povo bastante solidário. “Mobilizou famílias, religiosos. Não teve preconceito. A gente abraçou a causa”, diz.

Quem assistiu à transmissão até os instantes finais pôde ouvir fortes batidas nas portas do bordel. Era uma prostituta que, de passagem pela rodovia RN-288, escutou, abafada pelas paredes do lupanar, a inconfundível voz de Reginaldo Rossi, que entoava o clássico “Garçom”, hino dos cabarés Brasil adentro. Imaginou que o Sol e Lua estivesse a todo o vapor, funcionando às escondidas, em plena quarentena e se apresentou ao trabalho.

Para evitar bafafá, o ambiente da transmissão deste domingo pode até lembrar o de uma boate, mas vai ser cenário, montado longe do cabaré, em um endereço guardado a setes chaves.

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