27/10/2019 às 05h54min - Atualizada em 27/10/2019 às 05h54min

Com salário baixo, professora concursada vira prostituta para pagar as contas

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Foto: Reprodução
Rua Augusta, Centro de São Paulo. O relógio marca 22 horas. Na calçada, em frente a uma casa noturna, uma mulher arruma, ligeiramente, os cabelos. Olha-se no espelho, confere a maquiagem que lhe garante uma beleza – quase que natural – e segue para uma esquina de uma das regiões mais badaladas da capital paulista. Celine é o nome dela. Fictício, claro. Veste uma calça jeans, camisa preta decotada e um salto de dez centímetros, que deixa a garota, de 35 anos, ainda mais alta – um chamariz para atrair os olhares de quem passa. Em pouco tempo, o celular toca. Um carro preto se aproxima e Celine segue para uma rápida conversa. “Ele é um cliente antigo. Vai beber com os amigos e depois vem me buscar. Ligou só para confirmar nosso encontro. Ainda tenho tempo para outros programas. Minha noite está garantida”, comemora.

A comemoração tem um motivo. Com a crise econômica, as prostitutas tiveram que rever o preço dos programas. “Muitos homens falam que estão sem dinheiro, que perderam o emprego ou tiveram o salário reduzido. E a gente é quem sofre as consequências”, critica a jovem, que cobra R$ 150 por uma hora de encontro. A clientela diminuiu nos últimos anos e a região ficou decadente. As mulheres, que insistem em permanecer na área, dizem que foi-se o tempo em que uma prostituta costumava juntar R$ 20 mil por mês, em programas. “A noite é ilusória. Hoje, você ganha R$ 1 mil. Amanhã, não tem dinheiro para pegar o ônibus”, comenta.

Há menos de um ano na prostituição, Celine tem muitas histórias para contar. Já frequentou mansões em bairros nobres da capital, com direito a festas regadas a drogas, trabalhou em casas luxuosas de prostituição e colecionou clientes exclusivos. Guarda, até hoje, os contatos com sigilo. É discreta e confiável. “A prostituta não é só um objeto sexual. Muitas vezes, é uma psicóloga na cama. Tem homem que me procura apenas para conversar ou realizar um fetiche, que a esposa não tem coragem de fazer”, conta. Segundo ela, toda profissional do sexo tem que se cuidar. Uma boa roupa e ter um cheiro próprio (uma espécie de identidade) são essenciais. Quanto mais vaidosa mais dinheiro ganha. E a concorrência é grande.

Celine vive uma dupla jornada. À noite, é garota de programa. De dia, professora concursada de uma escola da rede estadual de ensino de São Paulo.

 
“Ganho aproximadamente R$ 2 mil por mês. Não consigo manter a minha família. Sou mãe solteira com um filho autista, de seis anos. Tenho que pagar escola, plano de saúde e as contas da casa. O salário de professor é uma miséria”, explica Celine.

As duas realidades não se misturam. Na sala de aula, a professora é linha dura com os alunos, de 15 a 18 anos. Não permite baderna e exige respeito no ambiente escolar. “Às vezes, fico muito cansada. Mesmo assim, nunca faltei ao trabalho. Sou uma mulher responsável”, diz. A professora, que é apaixonada pelo ofício, sabe que ensinar, no Brasil, é uma tarefa difícil. Para ela, além do baixo salário, o docente tem de enfrentar a falta de infraestrutura nas unidades de ensino e a violência, tão frequente na sala de aula.

Celine jamais vai esquecer a primeira vez que se prostituiu. Era uma quinta-feira de 2018. Ao receber o salário de professora, viu que o dinheiro não daria para cobrir as contas. Pensou uma, duas, três vezes. Até, finalmente, tomar a decisão. “Não tive medo nem pudor de ser prostituta. Se professor é profissão, por que puta não pode ser?”, questionou. Não foi uma tarefa fácil. Depois da escola, a professora foi para casa. Tomou banho, vestiu a melhor roupa, usou um bom perfume e seguiu para um novo expediente.

Numa casa noturna, na Rua Augusta, ela pediu um drink, puxou conversa com o gerente e, logo, conseguiu os primeiros programas, que lhe renderam cerca de R$ 600. Celine prefere não dar detalhes de como foi a experiência nos quartos de um motel da região. Mas disse que, ao final daquela noite, entrou em um táxi e pediu um único destino: o seu lar. “Eu não estava arrependida. Tinha certeza do que faria a partir daquele instante. O único problema é que eu me sentia suja. Muito suja”, lembra.

Ao voltar para casa, correu para o banheiro e tomou um dos banhos mais longos da vida. Usou shampoo, sabonete – e até detergente. Pegou uma esponja para limpar o corpo. Esfregou a pele até sair sangue. Chorou em silêncio para não acordar os pais e o filho. Caminhou em direção ao quarto do menino, chegou pertinho e deu-lhe um beijo. Ali, a prostituta dava lugar à carinhosa mãe e professora. Agora, com identidade própria – sendo ela mesma.


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